quinta-feira, 1 de junho de 2023

Lembranças



Abro e fecho a tela. Olho o teclado. Respiro fundo.
Não sei o que vou escrever. Na verdade, nem sei se devo escrever. Até porque, nem sei porque quero escrever.
Mas desde que li um livro, minha cabeça não para de pensar nele.
E para ser sincera, ela não parou de pensar nele nem por um dia desde que o conheci.

Não preciso fechar meus olhos para lembrar do passado: 2010.
Entrei na sala, e a primeira coisa que avistei foi um corpo estirado entre a carteira e a cadeira, com uma cara de merda, como se não quisesse estar ali.
Bem, nem eu queria estar ali, mas é de lei: todo adolescente precisa estar na escola.
Mas... ele não disfarçou seu ódio, sua frustração ou qualquer coisa que ele estava sentindo.
Achei bem autêntico.

Meus olhos se encontraram com o dele e fiquei paralisada. Acho que ele percebeu, e deve ter me achado louca. 
Não lembro como a história se desenrolou, mas lembro que nós criamos uma amizade, e eu criei um amor. Um amor que nunca havia sentido por nenhum outro cara, e que descobri quando ouvi, pela primeira vez, ele tocando Wonderwall, do Oasis, na hora do intervalo. 
Foi ali que eu soube que ele era minha alma gêmea. 
Mas só pra mim, e não para Deus, pro Universo, para a terra, e, principalmente, para ele.

Henrique foi um anjo de luz na minha vida, e se eu pudesse escolher uma pessoa para passar o resto da minha vida por perto, ainda que somente como colegas a distância, com certeza, escolheria ele.
Uma vez, um professor de Língua Portuguesa, que entendia mais do que palavras, sacou meus sentimentos por ele. E, hoje, com quase trinta anos, suspeito que não era tão difícil assim interpretar o que eu sentia. Adolescentes e hormônios: combinação desastrosa.
Após um episódio em que eu estava chorando, após o professor recitar alguns versos de Clarice Lispector, colocou a mão em meu ombro, e disse: "Quantos amores "Romeu & Julieta" precisamos viver para sermos felizes?"
Ele me olhou com um olhar tão profundo, e depois olhou para o fundo da sala. Não sei quem ele estava olhando, mas sabia que era para ele.
Chorei em silêncio, e fui acolhida por um olhar querido de um homem com quase – ou mais – quarenta anos, e uma bagagem de experiência nas mãos.

Mas o tempo passou, e não tem uma ocasião em que eu não pense em como ele está.
Como ele está?
Está feliz?
Está triste?
Casou? Tem filhos? Tem emprego que pague bem?
Não sei nada sobre ele desde quando ele sumiu da minha vida, em 2012. Foi embora dessa cidade de merda, onde eu continuo vivendo, e querendo comprar uma casa.
Ele foi embora, e eu fiquei.

Li "É assim que acaba" em cinco horas e meia.
Cinco horas e meia lendo um livro, que começou a ser lido na hora do jornal, e acabou comigo chorando, lendo sob a luz do celular.
Lembrei de Henrique. 
Podia vê-lo ali, entre as linhas do livro.

O dia passou, e mais um outro dia, e ele continuou em minha cabeça.
Eu precisava fazer algo a respeito.
Primeiro, escrevi em um papel. Não queria ser ridícula de escrever algo que iria me arrepender depois, porque ainda acredito fielmente que e-mail não se pode apagar depois de apertar "ENVIAR".
Olhei para o rascunho, e não quis revisar. 
Abri o e-mail e digitei. 
Não sei seu e-mail, então tentei aquele padrão: enviar um email para "seunome@qualquercoisa.com".
Digitei. Respirei fundo. Enviei.

Primeira tentativa: alguns segundos se passaram e recebi o e-mail automático dizendo que o destino é inexistente.
Respirei fundo. 
Segunda tentativa: copiei, colei, enviei.
22:23h.
Até agora o e-mail não voltou, então me sinto feliz por saber que alguém recebeu esse e-mail. Seja ele, ou qualquer outra pessoa, mas alguém recebeu.

Ainda respiro fundo, com uma sensação de ansiedade, enquanto ouço Wonderwall
Não sei explicar.
Oasis me acalma. Amo essa sensação de calmaria desses irmãos caóticos.

E também me sinto com 15 anos de novo.
Mas só momentaneamente.
A verdade é que eu mudei. Mas mudei tanto, que nem me reconheço mais. Não me encontro. Me olho no espelho e, pra falar a verdade, não sei quem eu de verdade sou. Mas lá no fundo, quando fico sozinha, pensando, em silêncio, ou caminhando, posso ver aquela adolescente apaixonada, e esperançosa.
Amanhã, tenho certeza que me arrependerei de ter enviado o e-mail.

Ou... daqui a pouco.
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